Uma das coisas que jamais sairá da minha mente é a grande integração que os atletas tinham nos acampamentos ao longo das etapas dos quatro desertos. Isso me marcou e agregou valor em minha maneira de visualizar o mundo.
Ali convivi com pessoas realmente especiais dotadas de um capital intelectual fantástico. E não importa se o contato foi com um grande atleta como o americano Dean Karnazes ou um médico renomado em todo o mundo. Ou ainda pelo contato com as pessoas locais que vivem isoladas do resto do planeta, mas que têm uma riqueza cultural gigantesca passando para nós suas crenças, seus rituais e seus sonhos.
Ao longo dos quatro desertos o mundo ficou pequeno. Eu passei a ter contato com pessoas de mais de 80 países diferentes, através dos amigos conquistados no dia a dia. Conheci pessoas de países que jamais imaginaria ter contato, como Vietnã, Tibete e País de Gales, entre outros.
O mais incrível é que nos desertos onde eu continuei a correr, os atletas e staffs que conheci nos primeiros desertos me enviavam mensagens de apoio todos os dias. Se alguém me perguntar o que ganhei com os quatro desertos, posso responder com entusiasmo: ganhei a riqueza do respeito, do conhecimento e da amizade conquistada em momentos difíceis.
A amizade que o esporte me proporcionou nem mesmo as pedras de Gobi ou o calor escaldante do Saara, o gelo paralisante da Antártida e o sal do Atacama serão capaz de destruir.
Eu vivo o esporte busco grandes desafios, pois sei que não importa quão longe ou isolado eu possa estar, terei ou conquistarei grandes amigos.
O desafio
Foram 10 meses, o espaço entre o sonho e a realização. No dia 8 de junho eu dava início em Gobi, na China, a uma jornada muito difícil e incerta. Fui para lá pensando: se eu completar esse grande deserto seria um grande sonho que realizaria. Mas quando cruzei a linha de chegada pensei: quero os quatro desertos, eu consigo.
Eu me preparei para correr em outubro o deserto mais quente: o Saara, no Egito. Lá, juntamente com outro brasileiro, o Rodrigo, completei com um tempo bem melhor que Gobi. Logo em seguida estava indo para o deserto mais frio: a Antártida, Pólo Sul. Mesmo com uma viagem extrema, cheia de riscos em um mar cheio de gelo, consegui cumprir e superar o frio exaustivo.
Voltei da Antártida com uma gana incrível. Tinha então três meses para me preparar para o último deserto, Atacama, o mais seco e alto do planeta. Fiz uma parceria com a clinica do Doutor Joaquim Grava, que me reservou piscina com a fisioterapeuta Yoli e trabalho de fortalecimento com o prof. Paulão. Na Unifesp fiz meus exames necessários para ir com mais segurança para o Chile.
No dia 25 de março cheguei a São Pedro do Atacama, cidade encravada no deserto do Atacama com pouco mais de 1600 habitantes e muitos estrangeiros em busca de paz e encontro com a natureza.
Fiz um treino de 10 km e senti logo de cara que não seria fácil, pois o ar era realmente seco e nos limitava em termos fisiológicos. No dia 27 chegaram todos os atletas, médicos, imprensa. Foram feitas as checagens médicas e de equipamento para a partida no dia 28 de março para o primeiro acampamento a 3500 metros de altura. A temperatura à noite era muito fria, cerca de 4 graus negativos, contra 40 graus positivos durante o dia.
O Atacama
No dia 29 de março finalmente foi dada a largada da prova e logo na primeira hora enfrentamos um paredão que tivemos que escalar um a um. O ar estava muito limitado e meu corpo já sentiu rapidamente os efeitos da altitude. Tive enjoo e fraqueza nas pernas. Todo o meu treinamento parece que não tinha dado o resultado que eu queria. Mudei de estratégia e passei a pensar que deveria segurar meu ritmo e reservar energia para o dia longo. Nas quatro primeiras etapas sofri muito, pois estávamos subindo e descendo montanhas a cada hora, o solo mudava constantemente, passando de pedras, sal com barro, depois água gelada, dunas e novamente sal. Cheguei a pensar que meu corpo não conseguiria chegar, pois ficava a cada dia mais exausto e fraco.
Na quinta etapa, a mais longa, saímos de um enorme salar onde levamos cerca de 4 horas para cruzar. O sol forte batendo no chão e refletindo em nossa pele fazia com que perdêssemos água do corpo mais rápido, então eu não deixei de me hidratar um só minuto. Nessa etapa de 73 km subimos dunas enormes, cruzamos grandes planícies com pedras e sal e entramos em rios gelados – além de escalar algumas rochas mais íngremes.
Tinha colocado como meta completar essa etapa em até 24 horas e quando foi 11 horas da noite e cheguei ao ultimo ponto de controle, só faltavam 9km para chegar ao acampamento. Fiquei muito animado e segui juntamente com um atleta chileno e uma italiana. Coloquei mais uma meta: chegar até às 3 horas. Mas começamos a subir mais uma grande cordilheira e depois começamos a descer uma enorme duna e chegar ao Vale da Lua, onde serpenteamos entre montanhas em uma caminhada sem fim. Após ter rodado por 2 horas, encontramos um paredão com dois staffs, que nos disseram que teríamos que descer de rapel cerca de 150 metros no escuro. Eles disseram “só faltam 2 km”, mas era bem mais.
Após descermos o paredão, entramos em uma gruta e cruzamos o outro lado da montanha. Após mais uma hora e meia, finalmente chegamos ao acampamento. Ali fiquei muito aliviado e feliz, pois faltava uma etapa de 10km .
No dia 4 de abril levantei com atletas me dando boa sorte e parabéns, os médicos tirando fotos dos meus pés, a tv alemã filmando e perguntando por que eu não tinha bolhas. O solo do Atacama é o mais extremo de todos os desertos.
Os atletas começaram a assinar minha calça deixando frases de incentivo, quando fui para a largada. Mesmo cansado corri muito e fiz em 2 horas todo o trecho de montanhas. Quando entrei em São Pedro do Atacama com a bandeira do Brasil e com a foto do meu filho, vi as pessoas gritarem “Brasil” “Carlos” “Brasil”. Cheguei a uma praça principal da cidade, que estava lotada, e a emoção tomou conta de mim. Recebi abraços e um filme se passou em minha mente. Foram 10 meses para conseguir estar ali. Eu consegui a 4ª medalha.
A noite teve um jantar para a premiação e ali a organização oficialmente anunciou que eu era o primeiro atleta sul-americano a correr os Quatro Desertos – e em 10 meses. Todos se levantaram e aplaudiram e gritavam “Carlos Dias, Brasil”.
Eu tenho que agradecer cada ser humano que me ajudou nessa conquista: a clinica do Dr. Joaquim Grava, a Unifesp, minha mãe, meu filho, ao meu treinador Herói Fung e a todos que me enviaram mensagens diariamente nos desertos.
Acredito que por mais difícil que seja um sonho, temos que buscá-lo incansavelmente, pois no final tudo vale a pena.
Tenho comigo quatro medalhas pesadas que me deixam leve e com mais vontade de buscar novos desafios. Obrigado.
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